Entrevista a Sofia Neves Taveira
A advogada da Vieira de Almeida & Associados concede uma entrevista ao OLHAR DIREITO sobre os problemas que dificultam o desenvolvimento do sistema judicial português, apesar das constantes promessas do poder político em efectuar todas as reformas necessárias. Sofia Neves Taveira aponta algumas soluções, nomeadamente no combate à morosidade e ao apoio judiciário. Nesta conversa que também aborda a introdução da tecnologia no sector, destaque para a necessidade de se resolver a questão da violação do segredo de justiça, sobretudo pela Comunicação Social.
"Os Advogados são autênticos escravos dos prazos"
Quais são os principais problemas da Justiça em Portugal?
Os principais problemas são a lentidão, o acesso ao Direito (valor dos custas) e o entupimento dos tribunais. Em termos gerais, a Justiça é morosa, contribuindo para o agravamento da atual situação o facto de não haver suficiência de recursos humanos (Funcionários Judiciais e Magistrados) e técnicos (salas de audiências, entre outros). Os processos da área económico-financeira também são morosos, o que se torna preocupante. Numa sondagem que foi feita na União Europeia (Barómetro da Transparência Internacional), chegou-se à conclusão que cerca de metade dos portugueses considera a corrupção um dos principais problemas do país, logo abaixo da economia/emprego e da saúde, valor que está significativamente acima da média europeia. A Justiça atualmente também é cara e o regime de custas processuais desajustado. Como referiu, e bem, o Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses, Dr. Guilherme Figueiredo, "o que se passa hoje é a transformação da justiça de um bem social, num bem económico". E, por fim, os tribunais estão entupidos com muitos processos, representando a cobrança de dívidas de 2/3 da pendência processual global.
Como se combate a lentidão e a morosidade processual?
Penso que devemos diminuir o excesso de burocracia, melhorar a formação dos Magistrados, aumentar a eficiência e baixar a pendência processual, insistindo na simplificação processual. No caso de caminharmos para uma justiça preventiva, é possível avaliar as contingências e riscos, e muitas vezes, evitar os lítigios, cabendo aos Tribunais julgar apenas os casos mais graves ou complexos.
O que é necessário melhorar para a Justiça portuguesa ser acessível a todos?
O apoio judiciário continua a ser aplicável a uma franja da sociedade, com rendimentos muito baixos, pelo que é necessário alterar urgentemente o Regulamento das Custas Processuais porque se encontra completamente desajustado da realidade e limita gritantemente o acesso ao Direito e aos Tribunais. Na minha opinião, a melhor forma de solucionar o problema passa por (i) definir um teto máximo de custas e (ii) o valor devido a título de taxa de justiça não estar exclusivamente dependente do valor da ação, pois isso conduz ao pagamento de quantias desproporcionadas (pondo desde logo em causa a noção de taxa, por contraposição a imposto), o que, na minha ótica, pode suscitar dúvidas de conformidade com a Constituição da República Portuguesa. Para prosseguir este e outros objetivos foi recentemente criada uma Comissão de Revisão do Regulamento das Custas Processuais, da qual faço parte, cujo objetivo é sensibilizar a Assembleia da República nesse sentido.
Existe desigualdade dentro do sistema porque nem todos os agentes da justiça são obrigados a cumprir prazos?
Sim, concordo. Apesar de compreender que seria extremamente difícil, também para os Magistrados, o cumprimento de todos os prazos, certo é que essa tolerância não é extensiva aos Advogados. Os Advogados são autênticos escravos dos prazos.
O segredo de justiça continua a ser um valor fundamental?
É de tal forma um valor fundamental que a sua violação continua a constituir crime. Tenho de lamentar a ocorrência de julgamentos na praça pública que nasceram de fugas ao segredo de justiça. Desde há algum tempo vimos assistindo a uma constante fuga de informação para a Comunicação Social de excertos de processos, detalhes das investigações, escutas e até vídeos de interrogatórios. Pese embora a liberdade de expressão e de imprensa, as mesmas têm limites que se impõem precisamente por aquelas poderem contender com os direitos fundamentais dos arguidos. E note-se que quando os processos já não estão a coberto do segredo de justiça, podemos ainda assim estar perante um crime de desobediência, pelo facto de ser proibida a divulgação das imagens. Considero também que, em matéria de violação do segredo de justiça, há demasiados inquéritos para tão poucas acusações. Deveria haver mais meios de obtenção de provas, para que a investigação dos crimes não seja malograda.
De que forma a evolução da tecnologia beneficia o trabalho do agentes da Justiça?
As novas tecnologias levar-nos-ão a uma reestruturação do exercício da advocacia e da Justiça em geral, obrigando a uma segmentação entre o trabalho mais mecanizado e rotineiro (ex: due diligences, revisão de textos, pesquisas..), passível de ser realizado por máquinas, com recurso à inteligência artificial e o trabalho de extrema sofisticação e complexidade jurídica que só as pessoas conseguem realizar. Nos escritórios e nos tribunais, os Advogados e Juízes poderão dedicar-se em exclusivo ao estudo e aprofundamento das soluções técnico-jurídicas adequadas aos casos concretos que se coadunem com a justiça material.
A tecnologia pode afectar a empregabilidade?
Um recente estudo realizado pelo McKinsey Global Institute concluiu que cerca de 23% do trabalho de um Advogado pode ser automatizado, mas apenas cerca de 5% dos postos de trabalho podem ser extintos em virtude da automatização ou inteligência artificial. Respondendo à pergunta, considero que devemos ser permeáveis à mudança e tirar o melhor partido das situações. Há que encarar o avanço tecnológico como um desafio e um fator de desenvolvimento, tornando-nos mais eficazes e conseguindo, com isso, benefícios para os agentes da Justiça, nomeadamente na redução das horas de trabalho necessárias para concluir cada assunto. O avanço tecnológico tem vindo a impactar positivamente no desenvolvimento e criação de postos de trabalho nas áreas das Telecomunicações, Media e Tecnologia (TMT).