Entrevista a Sandra De Melo

A VVip Consultant and Purser coloca a segurança do passageiro como a principal prioridade no exercício da profissão, além de acrescentar uma boa dose de empatia. Sandra De Melo revela a utilidade do Crew Resource Management para melhorar a coordenação entre o cockpit e a cabine durante uma emergência e também explica o que se faz para tentar salvar uma pessoa que necessite de primeiros socorros.
"Sou a mesma pessoa cá em baixo e lá em cima"
Como nasceu a vontade de abraçar a profissão de assistente de bordo?
Nunca pensei nessa hipótese, apesar de gostar muito de viajar. Agradou-me a possibilidade de realizar uma entrevista para trabalhar em voos charters porque continuava a efetuar viagens e a ganhar dinheiro. O gosto pelos assuntos relacionados com a aviação começaram a surgir ao longo do tempo.
Qual é o aspeto que manteria até ao último dia como assistente de bordo?
A empatia que gosto de criar com os meus passageiros ao ponto de os tratar pelo nome e gerir o voo conforme as suas preferências. Pretendo que eles se sintam em casa, apesar de decorar o avião como se fosse a minha. Não me arrependo de ter optado por esta profissão porque conheci pessoas maravilhosas.
Qual foi o pedido mais estranho proveniente de um passageiro que já teve?
Houve um passageiro árabe que pretendia colocar a bicicleta na direção do cockpit para fazer exercício físico durante um voo, mas o pedido acabou por ser negado por razões de segurança.
Quais são as especificidades dos protocolos nos voos VIP?
Os protocolos executivos são bastante mais exigentes porque é necessário lidar com altas personalidades. Por isso, não se pode tratar os passageiros pelo nome. O serviço prestado a bordo é escolhido em função dos desejos do cliente, mas é preciso montar as mesas consoante as instruções e empratar corretamente.
Como funciona o Crew Resource Management?
O Crew Resource Management (CRM) uniformizou a relação entre o tripulante de cabine e o cockpit, para funcionarem como um só, com o objetivo de garantir a segurança e o conforto do passageiro durante a viagem. O CRM conseguiu evitar menos acidentes porque nos momentos de emergência a mensagem tornou-se mais clara, mas a possibilidade de qualquer elemento da tripulação denunciar um problema que ocorra também ajuda ao desenvolvimento do trabalho em equipa, embora o comandante bordo seja o responsável por todas as decisões tomadas no avião.
Como se costuma preparar em termos emocionais para socorrer uma pessoa que esteja em perigo de vida durante um voo?
Devido ao sistema da empresa Medaire, qualquer elemento da tripulação pode contactar diretamente uma equipa de médicos que vai auxiliar no tratamento do passageiro.
Conhecer culturas e locais dos quatro cantos do mundo ainda é o principal aspeto positivo da profissão?
Para mim conhecer as pessoas e culturas dos outros países continua a ser um privilégio. Gosto sempre de visitar os locais para onde costumo viajar no plano profissional. Nunca me senti insegura, apesar de ter estado no Gabão durante o último golpe de estado em 2023 e no Kuwait.
Qual é o fator que ainda a surpreende?
Ao fim de muitos anos como assistente de bordo as pessoas ainda continuam a surpreender, sobretudo porque muitas não são humildes. Apesar de tudo, continuo a resolver os meus problemas profissionais com diplomacia porque essa é a minha maneira de ser e não por estar dentro de um avião. Sou a mesma pessoa cá em baixo e lá em cima.
Quantos países conseguiu visitar?
Já estive em muitos países, mas ainda não consegui ir à Austrália. Gostava de conhecer o maior número de locais por razões culturais.
Qual o lugar que gostaria de regressar?
Gostava de voltar ao Gabão devido às lembranças e porque recebi uma medalha pela forma como conduzi a preparação para uma aterragem de emergência com o Presidente da República e os ministros do governo a bordo. É um país com bastante natureza selvagem, mas não está muito virado para o turismo. As pessoas também são muito simples.
Qual o aeroporto mais estranho em que teve de aterrar?
Os aeroportos no Gabão não têm água potável, sendo que, as pistas de aterragem são pequeninas e com terra batida.
Costuma ser rígida com o cumprimento das regras a bordo?
Existem momentos cruciais como a descolagem e a aterragem, além das turbulências severas, em que é necessário ser bastante rígida com o cumprimento das regras, nomeadamente verificar se o passageiro tem o cinto posto e apertado.
Como tem reagido relativamente ao número de acidentes aéreos ao longo do último ano?
Não tenho medo de voar, mas existe muito respeito pelo ambiente em que estamos porque não temos a segurança do chão. Contudo, penso que também é necessário ter confiança na maneira como se age nas emergências.
Concorda que os passageiros possam levar bagagem de mão e animais de companhia para dentro do avião?
É importante que cada pessoa possa levar uma bagagem na mão porque existem objetos, como os isqueiros, que não podem ir nas malas colocadas no porão. Acho normal os cães voarem ao lado dos donos, sobretudo se houver necessidade de ajuda.
Tem mais alguma atividade relacionada com a aviação?
Criei uma empresa de consultoria na área do luxo, que se chama Grace by Sandra De Melo, onde tenho ajudado, as empresas e os particulares a dar um impulso nesta área. Para além da formação e acompanhamento também ajudo na logística e aquisição de todos os materiais e equipamentos de luxo necessários para a Aviação Privada Internacional.