Entrevista a Helena Osório
Fotografia de Cassiano Ferraz
A escritora oferece ao OLHAR DIREITO a possibilidade de viajar pelo mundo que construiu desde os oito anos de idade com os primeiros contos e poemas. A importância da família durante a longa carreira traduz-se nas personagens criadas nos livros publicados. A conversa com Helena Osório parece um poema em que retrata a vida pessoal e profissional. Contudo, o gosto pela poesia não é suficiente para rejeitar o título de romancista.
"Sou uma lutadora por não baixar os braços à esperança".
Como nasceu o gosto pela escrita?
As saudades do pai, o sonambulismo, os fantasmas da vida e da morte, levaram-me a escrever contos e poesia aos 8 anos. O gosto pela escrita surgiu com o trauma da guerra que vivi muito cedo em Luanda. Mais tarde, o confronto entre mundos distintos, a mudança de estilo de vida, as restrições, repressões, a perseguição pela diferença, o escárnio e o maldizer fizeram-me acordar em choque, mas também crescer interiormente mais depressa e mergulhar na escrita como a alternativa ao desabafo de mim.
Qual é a personagem com que se identifica mais?
Talvez seja a Rosa Sotto-Mayor do romance "Voando nas asas de um pombo verde" porque se trata de uma criança amada cheia de tudo e feliz, além de ser uma mulher aventureira e lutadora, mas também órfã com ânsia de liberdade e asas quebradas. As minhas personagens têm um pouco das pessoas que se cruzam comigo ou das que estudo e oiço falar, embora seja na família que encontro maior inspiração. A minha mãe com longos anos de experiência como educadora de infância orienta-me nos conteúdos dos contos infanto-juvenis. Os meus bisavós, avós e pais também me deram alicerces e horizontes de tantas histórias vivenciadas e ficionadas. Contudo, as personagens contêm sempre algo de mim ou dos meus filhos Afonso e Catarina.
Qual é a característica que nunca pode deixar de estar numa personagem?
Preocupo-me sempre com a diferença associada à magia e à loucura porque são características que surpreendem e nos prendem. Não me interesso pela normalidade, apesar de, no texto nunca assumir que sou a escritora. Também gosto de dar um olhar à mulher, ao amor e desamor, aos marginalizados e incompreendidos, àqueles que ninguém vê e tudo lhes troveja.
Considera-se uma romancista?
Continuo a escrever mais contos e poesia, mas até posso considerar-me uma romancista por ser constantemente bombardeada por frases e ideias que obrigam a parar em qualquer situação do dia e da noite para as escrever. Penso que sou uma lutadora por não baixar os braços à esperança.
Quais são os rituais que não dispensa antes de começar a escrever?
Sinto saudades do cigarro e de soprar aquelas bolas furadas feitas de nuvens que me iluminavam as ideias nas redações por onde passei.
Que mensagem pretende transmitir sempre que publica uma obra?
Procuro que o leitor pense no outro como um ser único e diferente, com vista à sua aceitação, respeito e interajuda, chamando a atenção para o sentimento que nos une e elevando aspectos culturais. Nutro uma alma romântica, incompreendida no tempo.
A vontade de escrever é algo que dura para sempre?
Encaro a escrita como uma linguagem. Escrever é a sensibilidade de ver com os olhos do coração e de transportar mundos de outros mundos invisíveis ou que não se querem ver e inventam-se. O escritor nasce com os livros dentro de si e a certa altura sopra-os, sem opção.
Quais são as vantagens e desvantagens de seguir uma carreira como escritora?
Nunca apostei em nada porque as minhas áreas académicas não estão relacionadas com literatura. Simplesmente aconteceu. Infelizmente só se dá valor postumamente aos artistas e às suas obras. Talvez seja uma desvantagem a escrita prender quem escreve, por muito tempo, porque perdemos a noção da realidade e vivemos muitas vezes as personagens que criamos e são reais na mente de quem escreve.
Como analisa a importância dos livros na actual sociedade tecnológica?
O papel é insubstituível pelo volume, pelo cheiro e pelo toque.