Entrevista a Felipe Pathé Duarte
Os atentados terroristas de Paris e noutros locais do mundo desencadearam uma nova vaga de publicações sobre as motivações dos jihadistas. O professor Felipe Pathé Duarte lançou em Setembro o livro "Jihadismo Global: Das palavras aos actos" com o intuito de questionar a estratégia utilizada pelos grupos que actuam na Síria e no Iraque. Numa conversa com o Olhar Direito, explicou o modo como funciona a propaganda interna e externa dos terroristas. A actuação da coligação internacional no terreno também foi abordado. O docente critica a forma como os Estados Unidos estão a lidar com o problema, em particular na forma como a manutenção do poder de Bashar al-Assad tem sido motivo para divergências entre as potências mundiais e regionais.
"Enquanto a ideia permanecer haverá sempre alguém que vai agir em nome dela"
Por que razão decidiu escrever o livro?
Há 11 anos que abordo a temática. Comecei por investigar o conceito de amigo e inimigo do filósofo Carl Schmitt. Em 2003 o inimigo número um do ocidente era a Al-Qaeda, pelo que, tentei perceber quais foram as razões que levaram aos atentados de 11 de Setembro 2001. Quando entrei na área da estratégia desenvolvi o gosto pelos temas. O livro resulta do processo de investigação que congrega o doutoramento, um conjunto de artigos de opinião na imprensa e do contexto em que vivemos para perceber o que está por detrás da violência. A obra procura entender o pensamento estratégico do jihadismo.
Os recentes acontecimentos vão servir para lançar um novo título?
A nova obra vai abordar os dois últimos anos de actividade jihadista.
Como é que vai acabar o processo militar e político na Síria?
A Síria vai acabar por ficar dividida no final do conflito, embora não se saiba em quantas partes por causa da incógnita relativamente ao papel de Bahar al-Assad. Antes da intervenção russa seria fácil chegar a uma conclusão, mas agora tenho alguma dificuldade em perspectivar como será o final. Neste momento, temos as áreas de influência de curdos peshmergas, do Exército Livre Sírio e do jihadismo. Dentro desta existem as zonas ocupadas pelo Al-Nusra e o Estado Islâmico. A zona curda não vai sofrer alterações. Por outro lado é necessário perceber qual será o papel de Assad no futuro e se integra o Exército Livre Sírio. No entanto, é arriscado prever o que vai acontecer ao país nos próximos meses.
No plano político qual será o futuro do país?
Há um roteiro para a saída de Bashar al-Assad que culmina com a realização de eleições nos próximos 18 meses. Contudo, Assad pode continuar no poder.
No caso de se verificar a última hipótese?
Pode acontecer que haja uma área de influência apoiada pelo Irão e Rússia e outra dominada pelos norte-americanos, além de uma zona controlada pelos turcos no nordeste da Síria.
A estratégia dos Estados Unidos não é a mais correcta?
Os Estados Unidos falharam o combate ao Estado Islâmico porque fizeram 8 mil raides aéreos, gastaram 2 mil milhões de dólares e nada aconteceu. Tem que haver tropas no terreno. Obama tem o anátema de ter ganho o Prémio Nobel da Paz, o que bloqueia qualquer tipo de intervenção.
Qual é o papel da Rússia neste conflito?
Putin está a disparar porque se quer assumir internamente e a nível internacional, além de tentar ocupar os buracos deixados pelo facto de não haver uma intervenção ocidental.
E dos países locais?
Têm um papel fundamental porque as forças internacionais têm de estar autorizadas pelas potências regionais, uma vez que, são as principais instigadoras do conflito. O Irão, Turquia e Qatar precisam de se empenhar no processo de intervenção ocidental, não só a nível militar, mas também na reconstrução que garante estabilidade na região.
Defende a saída ou a manutenção de Bashar al-Assad?
Há dois anos havia margem para Assad sair, mas isso não aconteceu. Neste momento não vejo qual será o governo de transição. Não sei até que ponto uma retirada de Assad poderá desequilibrar na totalidade aquela região.
O actual cenário favorece a influência do Estado Islâmico?
Não se consegue erradicar totalmente o Estado Islâmico, já que, existe a forte possibilidade de bolsas de ressentimento. A principal característica deste tipo de grupos é a provocação do inimigo no seu território para haver uma resposta que favoreça os guerrilheiros. Há uma forte hipótese da intervenção militar aumentar a actividade jihadista.
Os recentes atentados são uma forma de provocação?
Os ataques de Paris podem ter sido uma provocação dos jihadistas para criar uma guerra na região e justificar um conflito internacional. Não estamos a falar de uma acção de destruição pela destruição. A instrumentalização da violência visa desencadear reacções no inimigo que sejam favoráveis aos jihadistas.
Quais são as motivações dos jihadistas?
O Estado Islâmico continua o trabalho da Al-Qaeda, mas sem o apanágio, assumindo uma natureza violenta e destruidora. Tem uma visão quase apocalíptica. Pretendem uma alteração da ordem internacional que visa a desestabilização dos poderes, através de um processo de subversão armada. Estamos perante uma tentativa de um grupo subversivo cujo objectivo principal passa por alterar a ordem internacional em nome da criação do Califado com sede em Bagdade.
Qual é a estratégia dos jihadistas no plano interno e externo?
Nas sociedades abertas os tipos de intervenção são de um tipo, enquanto nos locais onde existe vazio de poder a estratégia não é a mesma. Temos uma organização que tem um princípio ideológico de base religioso, especialmente secular e político. O jihadismo tem perspectivas totalitárias embora assente em retóricas religiosas.
Como se faz o recrutamento?
Enquanto a ideia permanecer, haverá sempre alguém que vai agir em nome dela. Os recrutas que se encontram na Europa não vão desaparecer porque costumam viver em zonas suburbanas. Normalmente são migrantes de segunda ou terceira geração. Não se reconhecem na cultura ancestral nem na anfitriã, além de não terem expectativas de vida. Temos uma ideia que encontra permeabilidade numa franja social.
Como se combate a ideia?
Mitigar a ideia do jihadismo global vai demorar muito tempo, em paralelo à erradicação estrutural, deverá haver uma actuação a montante em determinadas franjas sociais para evitar a crescente radicalização.