Entrevista a Fabíola Marques

31-12-2020 10:24

A advogada aponta algumas soluções para resolver os problemas da justiça brasileira, nomeadamente a necessidade de maior fiscalização por parte das entidades responsáveis. Fabíola Marques também acredita que a tecnologia melhorou o exercício da profissão, e pede que a delação premiada seja utilizada de forma a beneficiar o sistema.  

 

"Acredito que a delação premiada, se fosse bem utilizada, beneficiaria a imagem da justiça brasileira"

 

O excesso de processos é o único factor que determina a lentidão da justiça brasileira?

No Brasil a judicialização das questões é muito comum, mas não é a única causa da lentidão judicial no país. Na área em que atuo, Justiça do Trabalho, um dos grandes problemas é o descumprimento da legislação trabalhista e a falta de fiscalização. Infelizmente, é comum que os trabalhadores ingressem com reclamações trabalhistas para obter o pagamento de verbas rescisórias ou de horas extras. Essas questões seriam facilmente resolvidas se houvesse maior fiscalização das empresas que descumprem a lei. Outra questão que influencia o atraso na solução das lides é a dificuldade que o credor tem no momento da execução. Isso porque, o devedor consegue “arrastar” a execução por longos anos, utilizando-se das regras processuais e dos recursos existentes no processo de execução.

De que forma o processo judicial electrónico tem ajudado a combater a morosidade na resolução dos conflitos?

O processo judicial eletrônico tem colaborado para combater a morosidade porque facilita o acesso do processo pelas partes e advogados, que não precisam mais se dirigir ao fórum para verificar o andamento processual, por exemplo. No entanto, o que percebemos é que várias atividades, que antes eram desenvolvidas pelos servidores da justiça, passaram a ser de responsabilidade dos advogados. Assim, os advogados devem ter disponível rede de internet, computadores compatíveis e conhecimento digital para atuar nos processos. Ocorre que nem sempre isso ocorre. Mesmo nos grandes centros como São Paulo, ainda não temos uma boa rede de internet e a possibilidade de acesso pelas partes e advogados.

Quais são as razões para se considerar que a justiça brasileira ainda é discriminatória?

No Brasil, apesar de alguns continuarem negando o óbvio, a discriminação racial, sexual e de gênero é estrutural. Infelizmente, faz parte da sociedade. No Poder Judiciário, a situação não é diferente, já que a grande maioria dos órgãos judiciais é composto por homens, brancos, heterossexuais.

Acredita na gratuidade do acesso à justiça no Brasil?

Na Justiça do Trabalho, a gratuidade do acesso à justiça sofreu uma grande transformação com a chamada Reforma Trabalhista, provocada pela Lei n. 13.467/2017. As alterações legais dificultaram o acesso à justiça pois com a reforma, mesmo o beneficiário da justiça gratuita, é obrigado ao pagamento dos honorários de sucumbência e honorários periciais na hipótese de não conseguir demonstrar seu direito. Além disso, apesar de a legislação facultar em algumas hipóteses a representação por advogado, é fundamental o conhecimento do processo para a obtenção e comprovação dos direitos pleiteados. Como se não bastasse, o Estado não garante a assistência judiciária para a população carente, já que o número de defensores é muito pequeno para a quantidade de necessitados.

A negociação, mediação, conciliação e a arbitragem são instrumentos que podem aliviar os tribunais?

Sem dúvida, sim. No entanto, não acredito que a composição seja suficiente para aliviar a lentidão e o volume de processos, que dependeria, na minha opinião, de maior fiscalização para o efetivo cumprimento da legislação.

A única forma do Estado ajudar ao desenvolvimento da justiça passa por contribuir com mais recursos financeiros?

Não, é lógico que a Justiça brasileira necessita de mais recursos para contratação de funcionários, investimento tecnológico, etc. Mas, essa não é a única forma de o Estado ajudar no desenvolvimento da justiça, que como falei, depende de maior fiscalização no cumprimento da legislação.

A delação premiada beneficia ou prejudica a imagem da justiça brasileira?

Acredito que a delação premiada, se fosse bem utilizada, beneficiaria a imagem da justiça brasileira, mas não é o que temos visto nos casos de maior repercussão.