Entrevista a Cristina Pereira Leonor

A Diretora de Marketing e Comunicação na Aloft oferece uma perspetiva muito positiva sobre a utilização das ferramentas digitais no desenvolvimento do marketing, chegando ao ponto de considerar que existe um diálogo constante entre o cliente e a marca. Cristina Pereira Leonor acrescenta que houve uma melhoria da comunicação que permite a uma empresa mapear o comportamento, hábitos de consumo e os padrões emocionais de cada consumidor.
“O Marketing Mix clássico(4Ps) é composto pelo produto, preço, placement e promoção, mas também acrescentava o propósito e os valores”
Em que medida as ferramentas digitais trouxeram uma maior aproximação entre a marca e o consumidor?
As ferramentas digitais vieram transformar a forma como as marcas se relacionam com os consumidores. Hoje, não se trata apenas de transmitirmos uma mensagem, mas sim de criar um diálogo constante entre o consumidor e marca ao mesmo tempo que associamos a criação de experiências significativas que vão tocar esse consumidor e fidelizá-lo. Seja através de redes sociais, chatbots, newsletters, ou outras quaisquer ferramentas, o que veio permitir um contacto direto e em tempo real que cria uma sensação de proximidade. Se virmos por exemplo, marcas de moda como a Zara que usam o Instagram e o TikTok para, além de mostrar produtos, ouvir o feedback imediato dos seguidores, para ajustar as coleções e testar coisas como cores ou padrões antes do lançamento físico, percebemos o poder destas ferramentas. Este contacto direto permite ainda a criação de comunidades onde os seguidores se sentem importantes e parte do processo criativo da marca, o que obviamente vai aumentar o engagement e a lealdade à marca.
A comunicação direta e personalizada tem mais eficácia no marketing digital porque é possível obter mais dados dos clientes através das redes sociais?
Sim, o Big Data veio para ficar, mas não é apenas sobre a quantidade de dados que conseguimos retirar mas também como transformá-los em insights que nos permitam aumentar a nossa comunidade e chegar aos nossos objetivos. Hoje, conseguimos mapear o comportamento de cada utilizador, desde os interesses, hábitos de consumo e mesmo padrões emocionais. Se pensarmos que uma campanha de e-commerce pode identificar clientes que compram produtos de skincare à noite e com esses dados conseguirmos rentabilizar essa informação como por exemplo o envio de conteúdos educativos sobre rotinas noturnas, obviamente vamos aumentar a relevância da comunicação e a forma de irmos ao encontro do nosso público. A personalização da comunicação e das estratégias de marketing aumenta a taxa de conversão que no fundo é o que as marcas pretendem. No entanto, também permite a criação de uma relação de confiança entre marca e consumidor, que acaba por sentir que a marca compreendeu, além de ir ao encontro das suas necessidades.
Cada consumidor sente-se valorizado pela abordagem individualizada das empresas ou estão preocupados com eventuais violações da privacidade?
Há uma dualidade interessante neste ponto porque enquanto muitos consumidores valorizam uma experiência personalizada, há essa crescente preocupação com a privacidade. Penso que a transparência é fundamental neste caso. Temos de explicar como estamos a utilizar os dados, permitir escolhas claras e obviamente cumprir as regulamentações como o RGPD. As marcas que hoje em dia conseguem equilibrar a tal personalização com a ética que se pretende com a análise de dados, conseguem transformar consumidores desconfiados em embaixadores e defensores da marca. As empresas que fazem muito bem isto são as plataformas de streaming como a Netflix ou o Spotify porque utilizam os dados dos clientes para sugerirem séries, ou músicas mas sem invadirem a privacidade dos mesmos.
Qual é a principal vantagem da utilização do marketing digital desde o desenvolvimento das ferramentas eletrónicas?
A principal vantagem é a capacidade de medir, testar e ajustar em tempo real uma campanha. Agora conseguimos identificar o que está a funcionar como por exemplo quais são os conteúdos que geram mais engagement e as mensagens que efetivamente convertem.
Qual foi a desvantagem que ainda não foi possível eliminar?
Talvez o excesso de informação e a saturação de conteúdos. Os consumidores são bombardeados diariamente com milhares de mensagens o que as torna pouco memoráveis também. Mesmo as campanhas criativas podem ser rapidamente ignoradas. Na minha opinião, a solução passa pela humanização, ou seja pela relevância do storytelling, Neste momento as marcas que conseguem contar histórias autênticas e alinhadas com os valores dos consumidores conseguem ultrapassar este ruído.
O baixo custo de uma campanha ainda é a principal razão para se optar pelo marketing digital em detrimento das opções tradicionais?
O custo é um fator sim, mas não é o principal. O valor do marketing digital está na possibilidade de medir o retorno sobre investimento (ROI). Podemos gastar menos, segmentar melhor e analisar resultados com dados concretos. Podemos otimizar anúncios e ajustar a comunicação no digital diariamente para diferentes segmentos, algo que não é possível nas opções tradicionais como a TV ou o outdoor que exige um investimento muito maior para esses ajustes.
Qual é a melhor forma de definir um público-alvo através das redes sociais?
Definir um público-alvo já não é só olhar para a idade ou a localização, mas sim compreender os hábitos, interesses, valores e padrões de consumo. Idealmente deveríamos conseguir combinar dados demográficos, comportamentais e psicográficos. Aqui entra a criação das personas, uma técnica mais detalhada, apoiada na análise de dados de interações digitais.
É possível atrair o público certo para uma determinada campanha?
Sim, mas exige estratégia e consistência como em tudo na vida. É necessário que haja uma segmentação precisa, um conteúdo relevante e testes constantes. Sabemos hoje em dia que as campanhas que ajustam as mensagens em tempo real para diferentes microsegmentos conseguem atrair o público-alvo desejado.
O excesso de ferramentas digitais à disposição das empresas pode impedir que as campanhas tenham um foco principal?
Absolutamente. A variedade de ferramentas pode gerar uma dispersão estratégica. Empresas que utilizem múltiplas plataformas sem definir objetivos claros, reduzem o impacto e ROI. É necessário selecionarmos ferramentas que se alinhem com os objetivos da campanha e simplificar os processos. Uma abordagem mais minimalista, mais focada em conteúdo de qualidade e em canais mais relevantes, gera muitas vezes resultados superiores.
Na sua opinião, quais são os aspectos necessários para compor o Marketing Mix?
O Marketing Mix clássico (4Ps) mantém-se relevante, mas hoje ganha umas nuances digitais pois o produto deve ser pensado, dentro desse ambiente, o das experiências digitais, que depois se traduzem em coisas como apps ou conteúdos exclusivos online. O preço pode também assumir estratégias digitais como descontos segmentados ou assinaturas por exemplo. O placement é a estratégia multicanal, que não pode fugir da integração do online com o offline. E a promoção deve passar por campanhas interativas e personalizadas que podem ir desde anúncios segmentados até ao storytelling humanizado. Acrescentava ainda a estes 4, o propósito e os valores, aliados obviamente à humanização, porque as marcas que têm causas claras e narrativas coerentes, identitárias, empáticas e fortes, conquistam a confiança e fidelidade dos consumidores.