Entrevista a Catarina Melo e Castro

27-11-2025 11:11

 

A Investigadora em Ciências da Comunicação (CECS-Universidade do Minho) entende que o jornalismo tem de manter uma relevância social e preservar o rigor, mesmo que haja cada vez mais precariedade, falta de tempo e escassez de recursos. Catarina Castro e Melo garante que a especialização dos órgãos de comunicação social pode ser a forma mais acertada de combater estes problemas.  

 

“O jornalismo tem de continuar a cumprir a sua função pública” 

 

Quais são os principais desafios do jornalismo? 

O jornalismo enfrenta hoje um duplo desafio: manter a sua relevância social num ecossistema mediático saturado e preservar o rigor num tempo que privilegia a velocidade. Acresce a desvalorização estrutural da profissão — precariedade, falta de tempo e escassez de recursos — que compromete a qualidade e a profundidade da informação. No fundo, o maior desafio é continuar a cumprir a sua função pública num contexto que, muitas vezes, a desincentiva. 

O rigor da informação é o principal fator que distingue um órgão de comunicação social das novas realidades? 

Sim, e é o seu maior património. O rigor, a verificação e a responsabilidade editorial são o que distingue o jornalismo profissional das narrativas produzidas por outros atores do espaço público. Mas esse rigor não pode ser apenas técnico; tem de ser também ético, sustentado em critérios de relevância pública e em valores democráticos. 

Em que medida as redes sociais representam um risco para o trabalho do jornalista? 

Representam um risco quando condicionam o trabalho jornalístico à lógica do algoritmo, da reação instantânea e da polarização. As redes sociais são um território fértil para a desinformação, mas também podem ser fontes úteis e espaços de proximidade com o público. O problema não está na plataforma, mas na forma como se usa e na rapidez com que se abdica de critérios profissionais em nome da visibilidade. 

De que forma pode começar a ganhar importância o que é publicado pelo cidadão jornalista? 

Quando acrescenta testemunho, contexto ou novas perspetivas a factos que, de outro modo, não seriam conhecidos. O “cidadão jornalista” pode ser um contributo para o pluralismo, desde que se reconheça que o seu papel é diferente do jornalista profissional. A responsabilidade editorial não se improvisa: exige formação, reflexão e accountability. 

A principal função do jornalismo tem de ser sempre o de informar? 

Informar, sim, mas não só. O jornalismo deve também formar, contextualizar e ajudar a compreender o mundo. Reduzir o jornalismo a um mero fluxo de dados é esvaziá-lo da sua dimensão social. O verdadeiro jornalismo é um ato de cidadania: ilumina zonas de sombra e cria consciência crítica. 

O jornalista comete um erro sempre que procura informação nas redes sociais? 

Não. O erro não está em procurar, mas em não confirmar. As redes podem ser o ponto de partida, mas nunca o ponto de chegada. Cabe ao jornalista distinguir entre ruído e informação, entre o rumor e o facto. É justamente aí que reside a sua função essencial. 

A redução do número de jornalistas nas redações vai obrigar a uma maior especialização por parte dos órgãos de comunicação social? 

Idealmente, sim. A especialização é uma resposta inteligente à escassez, porque permite aprofundar e valorizar áreas temáticas que exigem conhecimento específico. Mas, na prática, o que tem acontecido é o inverso: a polivalência forçada e a dispersão. O jornalismo só ganha com a especialização. E a sociedade também. 

Como será possível aprofundar um assunto com qualidade se existe a pressão para publicar conteúdos com rapidez? 

É uma tensão permanente. O imediatismo é inimigo da profundidade, mas não precisa de o ser. É preciso repensar modelos de produção e premiar o jornalismo que explica, em vez de apenas noticiar. Defendo que o público não precisa ser o primeiro a saber mas precisa sim, ser o melhor informado.  

Como será o futuro do jornalismo local? 

O jornalismo local é, paradoxalmente, um dos espaços com mais futuro. É nele que se reconstrói a confiança entre os meios e as comunidades. Num tempo de distanciamento e ruído global, a proximidade é um valor. O futuro do jornalismo local dependerá da sua capacidade de se reinventar digitalmente sem perder o vínculo humano com o território. 

Considera que o jornalismo ainda é um pilar fundamental da democracia? 

Sem margem para dúvida. O jornalismo é um dos alicerces sobre os quais se sustenta a democracia — porque assegura transparência, escrutina o poder e amplia as vozes que, de outro modo, permaneceriam invisíveis. Quando o jornalismo enfraquece, a democracia perde vitalidade, sentido crítico e memória coletiva. Defender o jornalismo é, em última instância, defender o direito de todos a compreender o mundo e a participar conscientemente nele.