Entrevista a Ana Luísa Mendes

A Advogada Estagiária critica fortemente o uso abusivo do apoio judiciário, nomeadamente o excesso de litígios em tribunal com pouca ou nenhuma relevância jurídica, colocando quase sempre o ónus no requerente. Ana Luísa Mendes também apela a uma revisão das custas judiciais para que todos possam ter acesso à justiça.
"Sem haver um teto máximo para as custas o acesso à justiça transforma-se num privilégio dos mais ricos"
Considera que a justiça continua a ser acessível a todos?
Não. Considero que nos dias de hoje, a justiça encontra-se acessível à classe alta, devido as suas capacidades económicas e à classe baixa, por via do apoio judiciário, acabando por dificultar o acesso à classe média, que não tem capacidades para comportar todos os custos que a justiça acarreta, mas também não lhe é deferido apoio judiciário.
Por que razão o apoio judiciário continua desadequado à realidade económica das pessoas?
O facto de uma pessoa não viver em situação de carência não significa que tenha condições financeiras para suportar os honorários de advogados, as taxas de justiça e demais encargos processuais. Há, portanto, uma discrepância entre os critérios legais e a realidade económica das famílias.
Quais são as alterações necessárias para se fazerem ao Regulamento das Custas Processuais?
É essencial rever os valores mínimos e máximos, criar maior proporcionalidade entre a complexidade do processo e as custas, e prever isenções ou reduções automáticas em matérias de especial relevância social, como a família, habitação ou trabalho.
Deveria haver um teto máximo para as custas?
Sim. Sem um teto, o acesso à justiça transforma-se num privilégio dos mais ricos. Um limite máximo daria previsibilidade e garantiria que nenhum processo se tornaria incomportável financeiramente.
Em que situações entende que pode haver um abuso do apoio judiciário por parte dos cidadãos?
Quando alguém o utiliza para litígios de pouca relevância, apenas para prejudicar a outra parte, quando omite rendimentos para beneficiar do sistema, ou quando multiplica processos sem fundamento real, aproveitando-se da gratuitidade.
A revisão dos prazos processuais pode ser uma boa solução para combater o problema?
Pode contribuir, mas não é suficiente. Prazos mais curtos reduzem a litigância abusiva e obrigam a maior responsabilidade dos intervenientes. No entanto, sem o reforço dos meios humanos e técnicos nos tribunais, a simples revisão dos prazos corre o risco de se tornar apenas uma medida simbólica.
Como se pode evitar que os litígios irrelevantes sejam apreciados pelos tribunais?
Apostando mais em mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação, arbitragem e os julgados de paz, além de criar filtros processuais mais eficazes, que permitam ao juiz ou ao tribunal rejeitar liminarmente ações manifestamente infundadas. É necessário efetuar esse filtro de ações que sejam ou não relevantes numa fase inicial, para respeitar o princípio da celeridade processual.
A extemporaneidade e a sanação processual são medidas suficientes para acabar com o abuso do apoio judiciário?
Essas medidas tratam apenas de falhas técnicas no processo, mas não combatem o uso estratégico e abusivo do apoio judiciário. É preciso criar instrumentos de fiscalização mais rigorosos e sanções proporcionais.
Que outro tipo de sanções deveria existir para quem comete este tipo de abuso?
Multas proporcionais ao rendimento do beneficiário, suspensão temporária do direito a novo apoio judiciário, e até a responsabilização criminal em casos de fraude intencional. O sistema precisa de distinguir o erro negligente do abuso deliberado.
Quem deveria ser objeto da sanção?
O requerente que utiliza de forma abusiva o apoio judiciário.
Concorda que o apoio judiciário deixe de ser um direito absoluto?
Sim, mas com a devida cautela. O acesso à justiça deve ser garantido, mas não pode ser confundido com um “cheque em branco”. O apoio judiciário deve ser condicionado por critérios de razoabilidade, proporcionalidade e responsabilidade, para evitar distorções. No entanto, nunca se deve cair no erro de limitar o direito de quem realmente precisa.