Entrevista a Nuno Garoupa

03-03-2017 17:15

O professor universitário concede uma entrevista ao OLHAR DIREITO sobre o actual momento da direita em Portugal. Nuno Garoupa explica quais são os caminhos ideológicos traçados por Assunção Cristas e Pedro Passos Coelho, vaticinando que o Partido Socialista vai ganhar as próximas eleições legislativas em 2019. A existência de um partido semelhante ao Ciudadanos e ao Potami só poderia ter êxito caso tivesse Rui Moreira na liderança. 

 

"O centro em Portugal é um eleitorado cada vez menos mobilizado e pouco fiel aos partidos"

 

O resultado das últimas eleições legislativas diminuiu o fosso ideológico entre a esquerda e a direita?

Houve alterações na geometria partidária, mas não penso que o fosso ideológico seja muito distinto hoje do que era há dez anos. O PSD virou claramente à direita enquanto o PS virou claramente à esquerda, mas o CDS voltou ao centro (já tinha ultrapassado o PSD pela esquerda em 2011 ao rejeitar a revisão constitucional defendida então por Passos Coelho). O PC e o BE viraram à direita. No caso do PC, penso ser meramente conjuntural. No caso do BE, vejo uma evolução semelhante aos Verdes alemães, de partido radical a partido de nicho e causas de esquerda. O centro está bastante desocupado partidariamente, mas também genericamente o centro cansou-se dos partidos tradicionais e deixou de votar. 

Como antevê os resultados das próximas eleições?

Penso que em novas eleições legislativas, o resultado será mais ou menos alinhado com as últimas eleições. Um PS na casa dos 35%, um PSD a rondar os 30%, o BE e o PC nos 10%, e o CDS nos 7%. A sociedade portuguesa já percebeu que Portugal estará estagnado outra década e que os nossos problemas simplesmente não têm grande solução dentro da zona Euro. Consequentemente, o eleitorado polarizou-se durante o Governo anterior e isso não mudará só porque um partido tenha um novo líder ou venha agora com mais demagogia ou mais promessas.

Os partidos políticos, em particular os mais representativos, vão recorrer ao centro para conquistar eleitorado?

O centro em Portugal é um eleitorado cada vez menos mobilizado e pouco fiel aos partidos. O PS perdeu o centro em 2011 e foi incapaz de o recuperar em 2015 vendo-se obrigado a uma coligação com as esquerdas. O PSD perdeu o centro em 2015 e ainda hoje não convive bem com essa ideia. Parte do centro votou BE como protesto. Outra parte do centro ficou em casa. Tenho a impressão que nem o PS, nem o PSD-CDS vão recuperar esse centro. A abstenção continuará a aumentar uns 100/150 mil votos por eleição. Daí também a polarização do PS e do PSD. E duvido muito que quer um, quer outro ultrapassem a barreira dos 2 milhões de votos em próximas eleições (PS teve 1,75 milhões e o PAF teve quase 2,1 milhões em 2015).

Ainda existe o estigma por se ser de direita? 

Claro. Se Cristas e Passos insistem em que não são de direita, claro que há um enorme complexo de inferioridade. Também é evidente que a esquerda explora esse complexo por óbvias razoes eleitorais. E faz bem porque evidentemente condiciona a direita. Dito isto, a responsabilidade pelo estigma é inteiramente da direita. Que a geração pós-25 de Abril tenha esse complexo é simplesmente incompreensível. O comunismo matou milhões de pessoas no mundo inteiro, mas um comunista está orgulhoso de ser comunista. O modelo de sociedade defendido pelo BE levou milhões de venezuelanos ou cubanos à pobreza. Mas o BE nunca fugiu quando é acusado de ser a esquerda radical. Portanto se a direita foge de ser direita, apenas revela uma enorme insegurança e uma ausência de projeto para Portugal.

Qual é o perfil do eleitor de direita em Portugal?

Todos os estudos eleitorais mostram que não há diferenças muito assinaláveis entre os eleitores do PSD/CDS e do PS em termos de escolaridade, rendimento ou género. Os eleitores do BE e talvez do CDS são um pouco mais jovens enquanto o PS e o PSD são partidos mais envelhecidos. Já em questões de políticas públicas, sabemos que não há grandes diferenças. Por exemplo, o pensamento liberal simplesmente não tem grande adesão eleitoral. A transformação do PSD em partido liberal pode agradar a franjas intelectuais (eventualmente como eu), mas não tem qualquer viabilidade no eleitorado português. Foi um erro monumental do PSD que pagará eleitoralmente durante muito tempo.

Tendo em conta que PSD e CDS não se assumem como de direita, o que será necessário fazer para o eleitor de direita esteja representado politicamente?

A direita partidária resulta de um conjunto de condicionantes impostas durante o PREC. Infelizmente não fez a evolução que seria natural. O PSD deveria ser o PPE português, com uma ala conservadora, católica, tradicionalista que represente o enorme eleitorado conservador português e uma ala mais centrista, urbana, da pequena burguesia e do empresariado. Já o CDS deveria ser o pequeno partido libertário, de causas e valores, claramente minoritário no eleitorado português. Não temos nada disso. O PSD prega uma social-democracia que não existe e virou liberal num momento complexo e numa lógica que transforma um partido de 45% em 30%. O CDS deixou há muito de fazer qualquer sentido. O PSD e o CDS estão hoje reduzidos aos 2 milhões de votos fiéis. Com o PSD, aliás, acontece algo muito particular. Desde Sá Carneiro, Passos Coelho é o líder mais querido pelo eleitorado fiel do PSD, muito acima de Cavaco. O problema é que o líder do PSD mais querido pela sua base eleitoral é também o líder do PSD menos querido pelo eleitorado do centro. Portanto condena o PSD a magros resultados eleitorais. Mas cria uma onda de revolta no PSD porque precisamente não conseguem perceber porque o seu líder mais querido não consegue votos fora da sua base. Esta dissonância cognitiva está a condicionar o PSD que até agora foi incapaz de lidar com isto.  Para gaudio do PS e da esquerda.

Acredita que há espaço para um partido de direita?

Não. A direita sociológica conservadora vota no PSD e no CDS. Mas o PSD e o CDS estão completamente presos dos labirintos, dos compromissos que alimentaram estas últimas décadas. Já demonstraram que são completamente incapazes de renovação, de desenvolver um projeto político consistente e sério. O que pode fazer falta é um partido como o Ciudadanos em Espanha ou o Potami na Grécia. Novas caras, gente livre dos aparelhos partidários, com novas ideias, com realismo, independente dos labirintos em que o PSD e o CDS se meteram. Por exemplo, como aliás já disse muitas vezes, veria com bons olhos a possibilidade de Rui Moreira transformar o seu movimento no Porto num partido de centro moderado, realista e inovador. Penso que facilmente teria 3 ou 4 deputados numas primeiras eleições.  

Quais os benefícios que trazia à sociedade portuguesa?

Caras novas, ideias novas, um novo grau de exigência, discussões sem vacas sagradas (devemos sair do Euro?), abrir um espaço público aos muitos portugueses que estão fartos da atual classe politica. E principalmente condicionar e eventualmente forçar o PSD e o CDS a mudarem de alguma forma. Sejamos claros – nenhum novo partido de centro substituirá o PSD e o CDS que evidentemente beneficiam de ter um conjunto extenso de interesses económicos, sociais e locais. Portanto, na minha perspetiva, qualquer ideia de criar um partido politico para substituir o PSD e o CDS não tem adesão à realidade. Mas como o PSD e o CDS já provaram que são incapazes de qualquer renovação profunda, só um partido novo pode promover mudanças na direita portuguesa.

Qual o espaço político que iria retirar ao PSD e CDS?

O PSD e o CDS somam neste momento 2 milhões de votos, muitos por falta de alternativa e não por fidelidade. Somaram 2,8 milhões de votos em 2011. E há 300 mil novos abstencionistas desde 2005. Portanto existe claramente um eleitorado potencial para um partido de centro moderado. Mas sabemos como a legislação partidária, o financiamento dos partidos, o acesso à comunicação social, a presença nas instituições do Estado está completamente controlado pelos atuais partidos. Parece-me, pois, que um novo partido deveria, numas primeiras eleições, simplesmente mobilizar 50 mil votos em Lisboa e 40 mil votos no Porto para eleger um grupo parlamentar de 3 ou 4 deputados. E depois provar durante essa legislatura que sabe ser diferente.